5 de junho de 2011

Brincadeiras que não cabem mais







“A essa altura da vida a gente nao se esconde mais do mundo. A gente se esconde da terrível descoberta da gente mesmo”. Wagner Lima

Há dias em que a sensibilidade me toma e choro, me emociono e sinto que muito do que se perdeu nos últimos “tempos da fragilidade” dos dias resiste e bem. Pessoas vão e vem, emoções afloram ou se dilaceram e eu lá. E uma certeza até então escondida no tapete, ou melhor, embaixo de inúmeras folhas cotidianas para ler, revisar e outras a serem jogadas na lixeira: “A essa altura da vida a gente nao se esconde mais do mundo. A gente se esconde da terrível descoberta da gente mesmo”.

Imediatamente me recordo de um poema de Mário Quintana que li quando era adolescente e falava que havia no poeta um medo da gaveta, de suas folhas amarelecidas dentro daquela caixa e seus “cadáveres”.

A convivência com a morte não é algo tão distante para nós, com cadáveres ou sem, ela existe, significa rupturas ou continuidades, mas a partir de um ciclo fechado. Essas inquietações me vêem sempre cotidianamente porque percebi de repente que ao meu redor a sensibilidade morreu. Talvez porque durante as últimas duas décadas (90 e 2000) convivi com algumas das pessoas mais sensíveis, humanas e claro, muito normais com defeitos, erros e chatices no pacote.

A sensibilidade não havia virado bit. O abraço forte não tinha dado lugar a um SMS demonstrando carinho. Essas não são reclamações saudosistas diante do “demônio” da internet. Não, não mesmo! Uso cotidianamente com fins pessoais e no trabalho. Seria até incoerente buscar a culpa na tecnologia. Se há culpa, e nós precisamos de culpa para nos sentirmos plenos e em dia com o cristianismo, ela se deve à banalização dos signos, símbolos, significados e significantes... enfim, ao sentimento e seu sentir por quem deveras sente, para brincar com o poeta.

Usamos como desculpa a revolução industrial, a mecanização da vida urbana e agora a era informacional para reafirmar aquilo que fazemos por desmerecer a nós mesmos, ao outro e ao que nos interliga em comunhão. Esta semana ao passar em uma faixa de pedestre percebi que um motorista avançou o sinal e acabou parando na metade da faixa. Olhei para ele e vi uma cara de indiferença como quem diz "o que é que está olhando mané?" As pessoas não sentem mais vergonha de invadir o espaço do outro ou do coletivo. Diante da expressão dele bati palmas. Como retribuição, ouvi algumas frases grosseiras de pura selvageria. Retribui com um sorriso, não porque sou simpático (longe de mim ter essa terrível sina), mas porque mesmo diante do caos é preciso rir de palhaços. Não aquelas que pintam o rosto e metem medo nas crianças e fazem os pais rirem. Mas aqueles que a gente subverte o medo expressa o sentir.

Eu tenho sentido muito. Intensamente. Choro copiosamente todos os dias. É luto. Luto de uma delicadeza bem distante da finesse e frescura das madames. Mas uma delicadeza que até os mendigos tinham. Delicadeza de respeitar o silêncio, de sentir o som das palavras em sua essência e não ditas apenas como texto figurativo. Renego isso porque seria morrer e ser enterrado vivo. No dia que não puder ter a liberdade de pensar e dizer, de sentir e me expressar, que um caminhão me despedace porque nem sentido haveria na matéria de abrigar o imaterial afeto e cosmicidade.

Que venham os ventos, os sonhos e as pessoas. Algumas se foram porque não tiveram sabedoria para entendê-las, as palavras e o sentir que elas expressam. Outras, eram apenas intenção do vir a ser alguém e se perderam no meio do caminho, se despedaçando em pó, afinal, viemos do barro. Muitas haverão de vir porque a vida pulsa mesmo diante da negativa de nós mesmos que fingimos não existir mais do que nosso espetáculo social para a platéia nos camarotes da mediocridade porque nada, absolutamente passa despercebido e impune a nossa arca de emoções. Tudo transita por ela mesmo quer seja nos rizomas, nos bulbos e/ou se reconheça enfim, nas fissuras e nas fronteiras do querer insistentemente traçá-las.


obs.: A ideia de falar disso surgiu de minha real necessidade de retomar a terapia e da saudade de alguns amigos, e graças ao universo, tenho muitos e da melhor qualidade. Então, a cada um que se sente de verdade meu amigo, se sinta homenageado e tocado. bjos

5 comentários:

Adriano de Leon disse...

Obrigado. A sensibilidade ainda resiste. Resistamos, pois en te lágrimas (poucas) e risos (muitos).

Duas Estradas disse...

Q bom q voltaste a escrever e nos brindar com lindos e poderosos textos...
Por favor, não demore tanto a escrever novamente, viu...
bjos... flavinha

Belle disse...

Obrigada pelas palavras. Por hoje eu ter me sentido masi feliz "por ter te lido" e presenteada com tuas palavras...
Fico na espera das próximas...
Saudades...

Linaldo Guedes disse...

texto nostálgico. lembrei de minhas gavetas povoadas de rascunhos que talvez nunca se tornem textos. vleu

Renata Almeida disse...

Adorei o seu blog de montão!!!!Parabéns pela sensibilidade e pelo trabalho, pois sei que manter um blog não é fácil.