20 de dezembro de 2006

O dia em que meus pais (a Globo filmes) saiu de férias.

Por conta da minha curiosidade e espírito crítico, aos 17 anos ganhei do professor de Direito e Legislação - é eu fiz contabilidade um dia... - um livro que me virou a cabeça. "Brasil Nunca Mais", que reúne textos e depoimentos das vítimas do regime militar de destroçou o país entre 64 e 85, ano em que houve a abertura política.
A tendência dos filmes que abordam o tema são sempre panfletárias e estereotipadas como em Zuzu Angel, transformada nas telas em um melodrama quase mexicano a la global. A linguagem, os planos, a cenografia e até os atores, todos são muito familiares por conta das novelas da rede. Com base em tudo isso fui assistir mais um filme, vendido como uma história sobre a ditadura, muito receoso. "O Ano que Meus Pais Saíram de Férias" não é um filme sobre a ditadura, mas o olhar de um menino de 12 anos que se vê de repente distante dos pais e nao entende nada: nem os pais, nem a vida, nem o país e, muito menos aquele momento político. Os pais de Mauro fogem com a desculpa que vão passar férias fora e retornam até a Copa do Mundo. Pelos desencontros da vida, os pais deixam Mauro na porta do prédio do avô, sem saber que o mesmo acabara de morrer. O menino sem ter como avisar aos pais, é obrigado pelas circunstâncias a viver com Shlomo, o vizinho do avô, um velho judeu solitário, áspero e pouco afetivo. Desse encontro, ambos se transformam. Mauro que vem de Belo Horizonte então se enturma com moradores paulistas da vizinhança enquanto espera um telefonema dos pais.
Os closes e planos sequenciais dos primeiros minutos são extremamente globais e cansam, irritam e se repetem. Mas quando pega ritmo, vira filme. E Mauro vira gente. Os diálogos variam entre o cômico diário e a dramaticidade. O grande lance do filme não foi nem a reconstituição de época com figurinos, cenários e adereços da década de 70, mas a riqueza de detalhes das brincadeiras e universo das crianças até doze anos - nesta época ter doze anos era ser criança ainda. Do jogo de botão às revistas de figurinhas, a pelada na rua, a descoberta da sexualidade ao ver mulheres trocando de roupa em uma loja e os códigos de viver em uma turma de amigos. O diretor encontrou o tom certo do que era ser criança, sem parecer artificial como em novelas do mesmo "pai". Mérito também do ator mirim, Michel Joelsas, que me prendeu a atenção durante todo o filme.
"O Dia que Meus Pais Saíram de Férias" aborda esse sentimento infantil do elo perdido com a família e as referências sociais, morais e, sobretudo, afetivas. Lembrei-me imediatamente quando tinha menos que isso de idade e era deixado em todas as férias em Recife para ficar com minha irmã. Me sentia só e perdido até os amigos me fazerem esquecer da saudade de casa.
O pano de fundo do filme dá um tom rico, mas não panfletário como em filmes que abordam temas políticos Zuzu Angel, Olga, O que é isso companheiro?, etc... É a compreensão da incompreensão do que acontecia no país aos olhos de uma criança. Um sopro de inteligência de argumento diante de um olhar brasileiro em geral tão feio, cruel e pessimista. Quando não, ora é novela, ora é experimento.

p.s.: O filme continua ainda em cartaz. Vale a pena. Alguém da Globo Filmes cochilou durante as filmagens. Ainda bem!!!

Um comentário:

Maurício Melo disse...

Cara, tenho ouvido boas críticas a respeito do filme e com o seu texto fiquei com ainda mais vontade de vê-lo. vou tentar ver ainda essa semana.
Abraço