17 de dezembro de 2008

O reconhecimento das faíscas

Foto: Gustavo Spud

SESSÃO:
COTIDIANO

por Wagner Lima

Obs.: Tenho me dedicado a experimentar, a escrever 'minicontos'. Alguns estão ainda nos rascunhos porque pedem mais dedicação para ampliação, mas tem sido um exercício interessante de usar a imaginação, a escrita e as minhas declaradas influências literárias (Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector)


O olhar. Foi o olhar. Não teve dúvida naquele instante que aquele olhar o cativara ao se encontrarem em plena noite de lua cheia. E não sabia muito o que fazer e como agir. Apenas queria a sua imagem refletida naquela íris. Se cumprimentaram, sorriram e se reconheceram naquele instante. As mãos pouco diziam alguma coisa. Nenhum dos dois sabia aonde colocá-las. O silêncio por instantes fazia da deglutição da saliva um verdadeiro trovão. E o glut glut pareciam brum brum. Era de uma inquietude esse encontro. Parecia que eram velhos conhecidos, mas que agora estavam despidos um na frente do outro com os pubis e genitais à mostra. Não, não, não estavam de fato com seus traços nus à vista, mas de tão intensos aqueles olhares estavam frente a um raixo-x sem volta.

Silêncios e mais silêncios tomaram conta da conversa.

- Você aceita uma água?
- Não, obrigado
- Você demorou um pouco no banho não é mesmo?
- Você percebeu pelo cheiro ou pelo relógio?
- Ah, pelo relógio. O cheiro... eu posso... E foi pegando aquelas mãos torneadas com dedos pequenos e a levou até seu rosto. Sentiu um aroma contagiante tomar conta do seu cérebro e os lábios foram percorrendo dos dedos da mão até o braço e não parou mais. Mergulhou naquelas curvas como se fossem ondas de oceanos desconhecidos. Mergulhou!

As bocas se uniram num grande turbilhão salivar: perdeu os sentidos, a razão, a completa exatidão do sentir. O que era aquilo? Amor não era. Amor não brota assim feito pé de feijão tão sonhado por Joãozinho. Era um ato desesperado de prazer, de entrega e de suicídio pelo risco ao desconhecido.

A luz era a única coisa pela metade. Tudo era intenso. A luz era meia-luz mesmo. Os braços se entrelaçavam ao som de músicas que iam surgindo no aparelho de som aleatoriamente. E aqueles acordes pareciam definir as sensações de gozo. Gozo em gozo.

- Me beija mais! pediu insanamente com os lábios em chama.
- Só beijar ? Beijar é pouco! E mergulhou novamente no céu daquela boca como quem se lançara a um precipício. E assim passaram horas a fio entre o desespero do gozo e a insanidade dos beijos.

- Já viste? Está amahececendo o dia e nós aqui. Você esqueceu que trabalha às 7h?
- Não, não esqueci. Então, tenho até as 6h de corpo, alma e febre para você. Vem cá!

E assim sucedeu mais uma hora de volúpia com os raios do sol refletindo aquelas costas, bundas e braços que se misturavam por instantes a fio. Não se largaram nem no banheiro. Nas escadas, beijos e beijos roubados pressionando as paredes (pobres paredes). Em meio à rua, se despediram com olhares e beijos. Depois, cada um seguiu com sua chama mais acesa do que quando os dois olhares se perceberam possuidores da mesma faísca. Algo renasceu!

3 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito!
Quero ver os outros....

Anônimo disse...

sensacional...me lembra o na naturalismo....abraços

AnaCarolAbiahy disse...

Amor não brota assim feito pé de feijão tão sonhado por Joãozinho. Era um ato desesperado de prazer, de entrega e de suicídio pelo risco ao desconhecido.
ADOREI!!!!!!!

Ah, eu li a biografia da Maysa!
é otimo para quem adora saber sobre a historia da musica brasileira.
beijos e amei os posto da folia!!!